O Teatro Projéctor e o seu Livro!
Foi em 2011, ao fim dos primeiros 15 anos de vida, que a companhia lançou o seu livro intitulado:
Percursos... 15 anos de existência
E onde, entre outras coisas, se escreveu o seguinte:
Um dia, escreveu também assim o poeta José Carlos Ary dos Santos, referindo-se de uma forma genérica a nós, Portugueses, durante os cinquenta anos que passámos na obscuridade e na iliteralidade:
Era uma vez um País
Onde entre o mar e a guerra, vivia o mais infeliz, dos povos à beira-terra
E assim, para serem menos infelizes, era no seio das colectividades, entre homens e mulheres que à noite se encontravam e conviviam, após a fadiga de penosas jornadas de trabalho, que
sobrevivia um teatro humilde e carente de meios técnicos, culturais e humanos.
Era assim que se ia fazendo o teatro nas colectividades; com actores que muitas vezes nem sabiam ler, uns tinham ensaiadores, outros já eram encenadores, mas todos verdadeiros motores dos espectáculos, com cenários concebidos na fértil imaginação dos criativos artistas sem escola.
Eram levadas à cena peças, tantas vezes, com figurinos anacrónicos e completamente desajustados, onde a iluminação era gerada por candeeiros a petróleo ou lâmpadas encastradas em latas de tintas; e cuja sonoplastia era caracterizada por efeitos em chapas de zinco, vozes, sons guturais, assobios, areia a deslizar em tubos e tantas outras soluções verdadeiramente insólitas mas extraordinariamente imaginativas.
A própria produção literária, o drama, raramente chegava ao público leitor sem que a censura extirpasse tudo quanto, no seu entender inquisitorial, pusesse em causa os valores do velho regime.
Mas mesmo assim, eram os amadores a verdadeira Fénix do teatro, continuando sempre ao longo dos anos a teimar e pondo em prática o amor e a vontade que tinham no peito, de seguir em frente.
Mas 37 anos após a revolução de cravos, o teatro continua a teimar em respirar!
- Já um livro, aos 15 anos de vida, sobre o Grupo? Ou um Grupo, já com 15 anos de Vida, que conta a sua experiência num livro?
Obviamente que não deixa de ser uma salutar ousadia registar num livro episódios verídicos que ficarão perpetuados para a nossa memória futura. Um sonho que se vai cumprindo.
Nesta celebração de quinze anos, não sem sobressaltos inerentes à vida de um grupo que se queria impor, importa recordar o contexto, como tudo começou.
Verdadeiramente este Grupo começou a ser esboçado por mim em 1990, num período de convalescença, que tive após uma intervenção cirúrgica complicada, mas com sucesso.
No Centro de Convívio Marques da Costa, em plena Freguesia de Santo André, reuni quase todos os jovens que habitavam no Bairro; O Quim, a Milú, o João Caeiro, a Beta, o João Russo, a Rita Santos, o João Ribeiro a Sílvia Murtinheira e a Ana Teresa, aos quais comecei a fomentar a paixão pelo teatro; mas passados alguns meses, já com peça e data de estreia marcada, outros valores se sobrepuseram ao avanço do sonho e o fizeram reter e marcar passo por mais alguns anos.
- Abre o Pano! - Mas qual Pano?
E seis anos mais tarde, em Outubro de 1996, já com outros jovens que entretanto cresceram, reiniciei o projecto que ficara inacabado; e à voz simbólica de: - Abre o Pano - nós que nem sequer tínhamos um pano para abrir; aliás, só possuíamos sonhos, um espaço aberto, sem palco, de 36 metros quadrados que partilhávamos com o público, um encenador que era eu e alguns jovens dinâmicos com boas vontades, que não faziam ideia no que se iam meter; eram eles: A Ana Dias; o Nelson Sítima; a Tânia Almeida; a Maria João; a Cláudia Dias; o Luís Vieira, a Mónica Reis, o Sérgio Almeida; a Célia Pacheco e um actor já veterano, que nos ajudou muito, o José Brito. E então sim, o sonho começou a cumprir-se!
Era nesse Centro de Convívio que o Grupo vivia encafuado e que dividia esses limites físicos da pequena sala, com os praticantes de Snooker, com os do Ténis de mesa, com os do Xadrez e os alugueres baratos, para almoços, baptizados e aniversários, aos fins-de-semana.
Houve até um período em que necessitávamos de trabalhar no salão, mais do que os 2 dias estipulados para o grupo e tivemos então que recorrer à Junta de Freguesia de Santo André, que de imediato nos disponibilizou a sua sala de reuniões, para aí trabalharmos, o que aconteceu por alguns meses, 1 ou 2 dias por semana; isto em 1997.
Mas com o passar dos anos, o Grupo foi-se tornando incómodo para alguns frequentadores do Centro, viu-se compelido e obrigado a sair.
No Centro Marques da Costa, estivemos 11 anos em construção e crescimento; mas para que conste, adquirimos e deixámos colocado numa calha metálica, na tal sala ampla, um pano de boca que nos custou um “dinheirão” para que se possa abrir e fechar quando for necessário.
A 1ª Mudança, 01 Setembro 2007!
É então que uma nova fase da vida do Grupo começa; com o convite para mostrar trabalho e dedicação na SDUB “Os Franceses”. Aí, o Grupo acantonou-se com novos sonhos e projectos, articulou espectáculos e colaborações permanentes, consumados num protocolo para uma vida que se previa longa.
Mas não! Ao fim de 3 anos e contrariamente ao que se ia acordando verbalmente no dia-a-dia entre nós e os responsáveis directivos da colectividade centenária, surgiu repentinamente um convite para sair, por um período de 1 ano e meio, onde também nos foi entregue a respectiva guia de marcha.
A 2ª Mudança, 30 Junho de 2010!
Mas, novo convite apareceu. Desta vez foi a SIRB “Os Penicheiros” a acarinhar o projecto. Aqui chegados verificámos que muita coisa havia para fazer. E não perdemos tempo e colocámos as mãos na obra! Tivemos que calçar as botas e vestir o fato-macaco, para limpar e desmantelar estruturas e materiais de antigos cenários que ali estavam depositados há mais de 50 anos. Então, juntámos todas as economias que tínhamos e adquirimos para chumbar nas paredes do palco, 8 vigas HEB 140; construímos uma teia com piso técnico; fixámos malaguetas em paredes de rocha granítica; colocámos diversas varas de iluminação e respectivos guinchos com roldanas; pintámos várias paredes, como também o piso do palco, além de instalarmos panejamentos novos, totalmente ignifugados. Gastámos “uma pequena fortuna”.
O futuro!
Há homens que lutam 1 dia e são bons
Há outros que lutam 1 ano e são melhores
Há aqueles que lutam muitos anos e são muito bons
Porém há os que lutam toda a vida e esses são imprescindíveis.
Bertolt Brecht
Obviamente, que também nós queremos ser imprescindíveis, mas para isso, muito ainda está por fazer. Mas o sonho continua a marcar o compasso desta caminhada, onde realmente é preciso amar-se demais o Teatro para nos mantermos fiéis a uma causa e a ultrapassar tudo; porque o teatro sempre soube reerguer-se do túmulo onde os políticos o pretenderam crucificar e sepultar. Mas cada vez que tal acontece, ele surge com um sorriso, com uma renovada mensagem, com outra vontade e outra esperança, e um novo projecto para o futuro e acima de tudo com um novo sonho!
Porque o teatro continua bem vivo e tanto pode acontecer e coexistir; numa barraca improvisada duma festa qualquer em pleno mês de Agosto; como num palco convencional de qualquer Auditório; na arena de uma qualquer praça de touros; ou até no espaço estreito de uma rua de bairro; no interior do Mercado 1º de Maio, ou num recanto discreto de um Centro Comercial Fórum. Porque é justamente na representação que reside a sua força, é aí que habita a verdadeira fé teatral, onde se cultiva um amanhã diferente com e para um Homem também diferente.
Porque é dessa inter-acção para uma unidade aglutinadora que o teatro é capaz,
E também exemplo disso é o lançamento deste livro, a perpetuar os 15 primeiros anos de produção contínua do Teatro Projéctor, o que, modéstia à parte, consideramos notável.
Mas contudo, não devemos esquecer quem somos. Estamos a construir uma história, ou melhor dizendo, um passado com várias histórias, e devemos analisá-lo de forma analítica e critica, de modo a podermos diagnosticar e implementar estratégias para melhorar, mas sempre de olhos postos no Futuro. Porque o futuro já começou!
Luciano Barata